Carta Aberta ao Presidente da República de Angola

Depois de muito ter esperado, o Sr. Presidente acabou com as “hesitações” que abalaram e adiaram as anteriores visitas, ao tomar a decisão de visitar Cabinda de 21 a 23 de abril. Por isso, decidi-me escrever-lhe, tanto para o bem de V. Excia. como para o bem do povo de Cabinda, pois este não gostaria de pensar que passou quase cinco anos sem ter recebido uma única visita sua, tão-pouco notícias ou mensagens, a não ser aquelas que lhe causam dor.

Tenho de lhe agradecer ter insistido na visitação ao povo de Cabinda, cujo acontecimento é no mínimo enigmático em tempos marcados pela febre eleitoralista. Também, a visita apanhou-nos a todos num mau momento em Cabinda, com tanta fome e desemprego, tantos confrontos armados aqui e acolá, tanta vontade de nos vermos livres de um figurino político-jurídico que nos nega a herança ou o legado do Simulambuco; e lamento muito que as coisas nestas terras tenham tido de chegar tão longe, em especial com a corrupção, ditadura e o conflito armado a ceifar tantas vidas humanas.

Como V. Exa. bem sabe, a infeliz e lamentável governação do MPLA nestes últimos 46 anos só trouxe a ruína para Cabinda, batendo forçosamente o seu povo na indignidade. Lembro-me, contudo, da velha afeição que os homens deste partido sempre nutriram por Cabinda e entristeço ao pensar que a repressão militar, perseguições e detenções arbitrárias, tortura e assassínios ocuparam o lugar do amor, da fraternidade e da justiça na governação deste território. No caso de V. Exa., lembro-me, por exemplo, só para relatar um caso entre muitos, que nos anos 70 muitos cabindas receberam auréolas de martírio das mãos de V. Exa.

Eis a recordação da vida que o povo tem levado nestes últimos 46 anos, exceto nos dias marcados pela febre eleitoralista, como nestes três dias de visita de V. Exa. a Cabinda. Na altura de eleições, evidentemente, o partido de V. Exa. sempre veio com promessas de desenvolvimento, de justiça e de paz que nunca se concretizaram. E, já que forçado a receber o líder máximo em comícios, o Zé povinho tem que sorrir com os olhos para esconder a tristeza no fundo deles.

Por isso, juntamos a informação que nos tem chegado de várias partes de Cabinda, para mais uma vez chamar a atenção de V. Exa. para o facto de que o seu defeito é fazer-se de Faraó, que, diante da evidência dos factos, ainda tinha argumentos que fizeram o seu exército perecer ao meio do mar vermelho. Aliás, nunca foi do agrado de V. Exa. falar de fome e de guerra em Cabinda, do direito à autodeterminação do povo de Cabinda, já que habituado a relativizar os valores e as coisas (mesmo a fome é relativa) e a tapar o sol com a peneira.

Sendo assim, aproveito a oportunidade que dá esta carta para pedir V. Exa. que queira rever a sua política na governança de Cabinda, não suceda que continue a ser indesejado e em circunstâncias fatais para si e sua família política. Talvez bastem negociações com algumas entidades escolhidas por V. Exa., mas também penso que seja preciso uma mudança radical no trato de um dossiê que tem a ver com o direito dos povos a sua autodeterminação. Pelo meu lado, estou disposto a ajudá-lo em dar esse passo transcendental.

Espero que esta carta ajude V. Exa. a efetuar uma importante visita a Cabinda, de modo que no futuro possamos contar com uma vontade séria de corrigir o erro dos Acordos de Alvor sobre Cabinda, através de um diálogo franco, sério e inclusivo.
Com todo o respeito que V. Exa. merece.

Ilha da Utopia, 20 de Abril de 2022

José Marcos Mavungo

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